Você sabia que existe uma grande relação entre a saúde da microbiota intestinal e os transtornos de ansiedade?
É cada vez mais reconhecido no meio científico que as doenças psiquiátricas e neurológicas – entre elas a esquizofrenia, autismo, doenças neurodegenerativas e depressão – frequentemente ocorrem juntamente a patologias gastrointestinais, e vice-versa.
Por exemplo, um estudo norte-americano publicado em 2018 que avaliou 158.371 pacientes com Doenças Inflamatórias Intestinais (DII), como Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, demonstrou que 75,6% dos pacientes com as formas graves destas doenças têm transtornos de ansiedade associados. Além disso, estudos recentes indicaram que a microbiota do intestino realmente altera diversos aspectos da função neurológica de seus hospedeiros, levando a efeitos sobre o humor e o comportamento, incluindo depressão, ansiedade e alteração no comportamento social.
O intestino humano contém em torno de 100.000.000.000.000 microrganismos, muito mais do que as células do nosso organismo e 100 vezes mais genes do que o nosso genoma. Parece lógico que isso tudo exerça uma certa influência no restante do corpo e na mente, não é?
Neste artigo vamos compreender melhor a relação entre a microbiota intestinal e o transtorno de ansiedade. Confira!
Como a microbiota intestinal pode influenciar uma doença psicológica?
Já foram relacionados muitos mecanismos de como as bactérias intestinais afetam a função e o comportamento neurológico, e entende-se que as associações são muito diversas e complexas. A comunicação entre o cérebro e a microbiota é bidirecional, por meio de múltiplas vias:
- Existe a via neural, através da medula espinhal e do chamado nervo vago, o maior nervo craniano e que tem como principal função criar uma via neuroquímica direta para a sinalização promovida por micróbios no trato gastrointestinal a ser propagada para o cérebro. A estimulação das fibras vagais no intestino influencia os sistemas cerebrais que desempenham papéis cruciais nas principais doenças psiquiátricas, como transtornos de humor e ansiedade.
- Há, também, as vias endócrinas e metabólicas, pois a microbiota intestinal influencia vários aspectos do metabolismo, agindo no processo de produção de metabólicos para hormônios e neurotransmissores.
- Além disso, a via também pode ser imunológica, uma vez que as bactérias simbióticas têm a capacidade de influenciar a regulação equilibrada deste sistema, o que pode alterar a homeostase da sua interação com o sistema nervoso.
Desta forma, são vários os caminhos de comunicação entre o sistema gastrointestinal e a nossa saúde psicológica.
Distúrbios do eixo cérebro-intestino relacionados à serotonina
Outra influência da flora intestinal se dá através da biorregulação dos neurotransmissores, moléculas responsáveis por levar mensagens de um local ao outro do cérebro e do corpo, em especial a serotonina.
A serotonina, também conhecida como ‘molécula da felicidade’, é um dos principais neurotransmissores no nosso organismo e encontra-se com sua função diminuída em pacientes com depressão e ansiedade. Inclusive, boa parte dos medicamentos conhecidos como antidepressivos (que também são usados para transtornos de ansiedade), estão dentro da classe dos Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS – por exemplo: citalopram, escitalopram, fluoxetina, paroxetina, venlafaxina, entre outros). Estes medicamentos inibem a ‘destruição’ das moléculas de serotonina após elas terem realizado sua ‘missão’ e isso faz com que elas fiquem continuamente ativando os receptores cerebrais, aumentando a sensação de bem estar de uma forma artificial.
A influência do microbioma intestinal tem se mostrado também com importância vital na regulação do eixo intestino-cérebro através da produção de triptofano e consequente regulação do sistema serotoninérgico. O triptofano é o aminoácido precursor da serotonina e a microbiota intestinal tem uma função importantíssima na sua síntese e regulação. Como o triptofano também é o precursor da melatonina, o ‘hormônio do sono’, alterações na sua síntese também podem gerar problemas de insônia, muito comuns em pacientes com transtornos de ansiedade.
Os mecanismos subjacentes a esta regulação ainda requerem estudos mais aprofundados, mas podem estar relacionados à capacidade da microbiota intestinal de controlar o metabolismo do triptofano do hospedeiro (no caso, o ser humano), reduzindo assim simultaneamente a fração disponível para a síntese de serotonina e aumentando a produção de metabólitos neuroativos. As enzimas dessa via (que trabalham nestas tarefas) são responsivas à imunidade e ao estresse, ambos sistemas que sustentam o eixo cérebro-intestino. Ou seja, é um ciclo: o estresse pode alterar o intestino e o intestino pode causar estresse.
Assim, a diminuição da diversidade e estabilidade da microbiota intestinal pode ditar problemas de saúde relacionados à serotonina e o direcionamento terapêutico da microbiota intestinal pode ser uma estratégia de tratamento viável para distúrbios do eixo cérebro-intestino relacionados à serotonina, como a ansiedade.

Figura 1. O eixo microbiota-intestino-cérebro no organismo sem sintomas elevados de depressão e ansiedade e na depressão e ansiedade destacando algumas mudanças hipotéticas na microbiota intestinal, sistema imunológico e metabolismo. O metabolismo do triptofano é um exemplo de via metabólica impactada pela disbiose microbiana que possivelmente impacta o cérebro.
E os antidepressivos, por que devemos ter cuidado ao utilizá-los?
Qual o problema da utilização dos remédios antidepressivos? Um deles é a dependência. Ou seja, após iniciado é muito difícil realizar a retirada. Outro problema são os efeitos colaterais, tanto os de início imediato como alteração de libido, ganho de peso, alteração da memória e atenção, ansiedade, dores de cabeça, entre outros, e os de médio e longo prazo como aumento na chance de desenvolver Mal de Alzheimer, Diabetes, etc.
Portanto o mais inteligente e o que eu oriento aos meus pacientes é primeiro buscar opções que causem menos dano (ou nenhum, como a homeopatia). E só partir para uma segunda opção (com medicamentos controlados) quando não se consegue o sucesso com opções menos agressivas (o que raramente ocorre).
Voltando ao tema: o que os estudos a respeito da microbiota e ansiedade demonstram?
Ainda estão sendo realizados muitos estudos para entender todas as relações entre a microbiota intestinal e o transtorno da ansiedade – mas está cada vez mais estabelecida uma clara associação.
Abaixo separei os principais estudos nesta área:
Um dos estudos mais importantes sobre a influência da microbiota intestinal na função neurológica observou que camundongos livres de germes (GF) exibem uma resposta elevada ao estresse de contenção, o estresse que ocorre durante a imobilização forçada (Sudo et al., 2004).
Na ausência da microbiota, os camundongos têm concentrações substancialmente mais altas de corticosterona, um hormônio do estresse no hipotálamo, bem como níveis reduzidos de fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF; uma proteína que estimula a neurogênese e o crescimento sináptico e modula a plasticidade sináptica e transmissão) (Lu et al., 2013; Sudo et al., 2004).
Curiosamente, esse fenômeno pode ser parcialmente revertido pela recolonização com uma microbiota diversa na idade adulta, sugerindo que os sinais ativos da microbiota desempenham um papel crítico no desenvolvimento do cérebro.
Na verdade, a colonização com uma espécie bacteriana específica, Bifidobacterium infantis, restaura o defeito (em comparação com a monocolonização com Esherichia coli), demonstrando que, em vez da detecção geral da bactéria na população de micróbios indígenas, os sinais de bactérias específicas conduzem ao comportamento normal (Sudo et al., 2004). Essa demonstração rigorosa de que a microbiota afeta o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (eixo HPA) revelou comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro, com um efeito significativo no comportamento do hospedeiro.
Depressão e ansiedade são frequentemente acompanhados por mudanças na motilidade colônica, que, por sua vez, altera a composição e estabilidade da microbiota intestinal, bem como a fisiologia e morfologia do cólon. Transtornos relacionados ao estresse também podem alterar o sistema intestinal de barreira, desencadeando um intestino permeável, que poderia permitir uma resposta pró-inflamatória conduzida por microbiota através do translocação de certos produtos bacterianos do intestino.

Figura 2. Mapa anatômico das conexões neurobiológicas eferentes e aferentes que são relevantes no medo e na ansiedade.
Por exemplo, diferentes estudos apontaram que o lipopolissacarídeo (LPS) produzido por bactérias intestinais podem aumentar as respostas imunológicas em pessoas deprimidas. Da mesma forma, nas Doenças Inflamatórias Intestinais (DII), doença autoimune (ligada a alterações no sistema imunológico), uma correlação foi encontrada entre a composição da microbiota intestinal e volumes cerebrais em pacientes com DII, sugerindo uma mudança no razão de Firmicutes e Bacteroidetes.
Essas observações destacam a associação potencial da microbiota intestinal alterada com depressão e ansiedade do hospedeiro. Portanto, a manipulação da microbiota intestinal pode ser uma ferramenta útil para decodificar o papel fisiológico do eixo intestino-cérebro em distúrbios psiquiátricos.
Como restaurar a microbiota para mitigar os efeitos da ansiedade?
Os desequilíbrios na microbiota, caracterizados principalmente por quadros de disbiose intestinal e a síndrome do intestino permeável, podem ser tratados por vários meios. Uma dieta focada na alimentação correta pode auxiliar o corpo a restaurar a saúde intestinal, enquanto a utilização de prebióticos e probióticos também atua na modulação da microbiota. Existem dezenas de tipos de bactérias diferentes que podem ser receitadas e manipuladas de acordo à necessidade de cada indivíduo.
Outros fatores que afetam negativamente a microbiota intestinal: toxinas ambientais (como agrotóxicos, e outros produtos químicos), água com pH muito ácido, uso de medicamentos (especialmente os antibióticos). Ou seja, quando mais natural a sua vida e alimentação, quando menos exposto à toxinas, melhor será a sua flora intestinal.
A medicina complementar também é muito indicada nestes casos. É sabido que o nervo vago está correlacionado com a capacidade do organismo de regular as respostas ao estresse e pode ser influenciado pela respiração, seu tratamento por meio da meditação e ioga contribui para a mitigação dos sintomas de humor e ansiedade. Terapias cognitivo-comportamentais, respiração profunda e atividade física moderada são outras opções relevantes para restaurar a saúde e equilíbrio do eixo microbiota-intestino-cérebro. Além de desintoxicação que pode ser realizada de diversas formas diferentes.
Cuide do seu corpo para uma vida plena e feliz
Ainda há muito para a ciência descobrir sobre este assunto. Apesar disso, a ligação íntima entre o sistema gastrointestinal, o sistema nervoso e a saúde psicológica é clara. Por isso, devemos sempre buscar a saúde do corpo como um todo.
Você já conhecia a relação entre a microbiota intestinal e o transtorno de ansiedade? Não perca o tempo, agende já sua consulta, assim podemos caminhar juntos em direção à uma melhor saúde. Ser saudável é ser feliz!
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Referências
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