O hormônio da tireoide desempenha um papel fundamental nos processos fisiológicos centrais de muitas espécies, incluindo mamíferos e humanos. Ele atua no crescimento e diferenciação celular, metabolismo de energia, termorregulação, desenvolvimento do cérebro, reprodução e sistema cardiovascular, entre outros processos essenciais do organismo. Especialmente, o desenvolvimento neurológico muito dependente da presença normal do hormônio tireoidiano, sendo particularmente sensível a interferências neste equilíbrio.
Os disruptores endócrinos, por sua vez, são produtos químicos produzidos pelo homem que podem interromper a síntese, os níveis de circulação e a ação periférica dos hormônios no organismo. Neste contexto, a atuação do hormônio tireoidiano é reconhecida como um alvo importante dos disruptores endócrinos, o que tem como consequência o aparecimento e agravamento de diversos problemas de saúde na população.
Neste artigo, vamos entender a importância do bom funcionamento da tireoide e o impacto dos disruptores endócrinos nos processos tireoidianos. Veja a seguir!
Como os disruptores endócrinos impactam nas funções da tireoide?
Os compostos reconhecidos pela disrupção da tireoide podem interagir com todos os elementos da homeostase do hormônio. De modo geral, o organismo realiza diversos processos com o hormônio da tireoide para que funcione apropriadamente, desde os mecanismos de comunicação com o eixo hipotálamo-hipófise, a síntese hormonal, o armazenamento e liberação do hormônio da glândula tireóide, o transporte e distribuição em tecidos e órgãos, a absorção celular do hormônio da tireoide e seu derradeiro metabolismo intracelular.
Com isso, os produtos químicos que interferem na homeostase do hormônio da tireoide têm o potencial de prejudicar muitos desses processos importantes.
Desta forma, os disruptores podem causar distúrbios na homeostase do hormônio tireoidiano, hipotireoidismo, hiperplasia tireoidiana e neoplasia, assim como defeitos de desenvolvimento do sistema nervoso central e outros inúmeros desdobramentos causados pelo desequilíbrio da tireoide no organismo.
Os riscos da interferência dos químicos nas funções tireoidianas
Existem cada vez mais evidências de que os efeitos dos disruptores endócrinos ou poluentes ambientais na função cerebral são subestimados. Os hormônios tireoidianos desempenham papéis essenciais no desenvolvimento e equilíbrio do cérebro, sendo importantíssimos para o bom funcionamento do organismo como um todo.
No cérebro adulto, eles regulam o metabolismo em diversos níveis diferentes, trabalhando não apenas no controle do metabolismo energético do corpo, mas também regulando importantes parâmetros homeostáticos de neurônios e glias no Sistema Nervoso Central. Por isso, a interferência dos químicos resulta em distúrbios metabólicos e muitas mudanças físicas e neurobiológicas, devido ao papel fundamental que o hormônio da tireoide exerce na função cerebral e no metabolismo celular diariamente.
Especialmente, a contaminação no início da vida resulta em alterações permanentes da organização do tecido e regulação homeostática de processos adaptativos. A exposição intra-uterina a desreguladores endócrinos que interferem nos hormônios da tireoide pode produzir distúrbios permanentes de desenvolvimento na estrutura e no funcionamento do cérebro. Por isso, a contaminação não é um risco apenas para os adultos, representando um alto perigo para crianças, mesmo as em estágio pré-natal.
Retardantes de chama, disruptores muito comuns de serem encontrados no pó que se acumula nos objetos da casa, foram até mesmo associados com o aumento de risco de incidência de câncer de tireoide, assim como no aumento da agressividade do tumor [1].
Quais os principais disruptores da tireoide e como evitá-los?
Os principais produtos químicos que afetam a tireoide são os bifenilos policlorados, percloratos e retardadores de chama bromados, conhecidos como desreguladores característicos da homeostase do hormônio tireoidiano. Esses produtos químicos incluem alguns compostos orgânicos clorados, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, herbicidas e agentes farmacêuticos.
Bifenilos policlorados (PCBs)
Os PCBs são compostos químicos amplamente utilizados na indústria de pesticidas antes dos anos 70, quando foram proibidos. Porém, mesmo depois de várias décadas, os PCBs ainda contaminam o meio ambiente, estando em contato com o homem através da cadeia alimentar. Em particular, a exposição a PCBs tem sido associada ao comprometimento do desenvolvimento cognitivo. Em vários estudos com animais, com ratos e macacos, a exposição ao PCB demonstrou reduzir os níveis de hormônio da tireoide, particularmente tiroxina (T4) [2].
Éteres difenílicos polibromados (PBDEs)
PBDEs são um grupo de produtos químicos produzidos como retardadores de chama para atrasar ou prevenir a ignição potencial em tecidos e produtos plásticos, tintas, componentes elétricos e colchões. Em 2010, um estudo avaliou o impacto da exposição ao éter decabromodifenílico (BDE-209, o PBDE encontrado em humanos no nível mais alto) em uma população de ratos. A tireoide foi um dos órgãos avaliados no estudo e foi identificado que o nível total de T3 foi reduzido enquanto o valor de TSH foi aumentado. Além disso, a exposição a altas doses determinou alterações histológicas na glândula tireóide, com epitélio folicular degenerado ou atenuado [3].
Perclorato
O perclorato é uma substância usada no propelente de foguetes, na fabricação de airbag e em fertilizantes. É também uma substância aprovada para contato com alimentos e pode migrar para alimentos, água e leite. O perclorato atua como um inibidor do simportador de sódio-iodo (NIS), localizado na membrana das células foliculares da tireoide e das células da mama; a ligação do perclorato ao NIS prejudica a captação de iodo pela tireoide, impactando na funcionalidade normal da glândula.
Bisfenol-A e ftalatos
O bisfenol-A (BPA) e os ftalatos são compostos amplamente usados em diversos fabricantes, como brinquedos, cosméticos, tubos, embalagens de alimentos e eletrodomésticos. Considerando sua ampla utilização somada ao fato de não serem quimicamente vinculados ao material, a exposição da população é bastante difusa. Poucos estudos em animais mostraram que a exposição a DBP e DEHP pode levar a distúrbios da tireóide, em particular com níveis reduzidos de hormônio ou captação de iodo [4].
Veja uma tabela que sintetiza os disruptores endócrinos mais comuns e seus usos:
O primeiro passo para evitar as complicações causadas por essas substâncias é tomar consciência sobre seus danos à saúde. A partir disso, é possível reavaliar hábitos do dia a dia para evitar o contato com os produtos.
Um bom exemplo disso é evitar alimentos enlatados e embalagens de plástico – dando preferência para alimentos orgânicos ou embalagens de vidro.
Além disso, é sempre recomendado buscar o acompanhamento de um profissional médico para obter informações mais precisas sobre problemas de tireoide – combinando mudanças nos hábitos com os tratamentos necessários.
Você já conhecia a relação entre os disruptores endócrinos e doenças da tireoide? Ficou com alguma dúvida? Entre em contato comigo!
Referências:
[1] MUGHAL, B.; DEMENEIX, B. Flame retardants and increased risk of thyroid cancer. Nat Rev Endocrinol 13, 627–628 (2017). doi: https://doi.org/10.1038/nrendo.2017.123
[2] Boas, M.; Feldt-Rasmussen, U.; Main, K.M. Thyroid effects of endocrine disrupting chemicals. Mol. Cell. Endocrinol. 2012, 355, 240–248.
[3] Lee, E.; Kim, T.H.; Choi, J.S.; Nabanata, P.; Kim, N.Y.; Ahn, M.Y.; Jung, K.K.; Kang, I.H.; Kim, T.S.; Kwack, S.J.; et al. Evaluation of liver and thyroid toxicity in Sprague-Dawley rats after exposure to polybrominated diphenyl ether BDE-209. J. Toxicol. Sci. 2010, 35, 535–545.
[4] Meeker, J.D.; Calafat, A.M.; Hauser, R. Di(2-ethylhexyl) phthalate metabolites may alter thyroid hormone levels in men. Environ. Health Perspect. 2007, 115, 1029–1034.
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